Druckenmiller e a arte de mudar de opinião
"Remember that to change your mind and to accept correction are free acts." - Marcus Aurelius
Sujeito que eu gosto é o Druckenmiller. Dentre os sujeitos que gosto, deve ser o que menos escuto. Eu nunca ouço o Druckenmiller. Por uma, Druckenmiller fala muito de macro e minha relação com macro não é lá essas coisas. Macro me soa sempre muito persuasivo e pouco acionável. Prefiro deixar para os especialistas de macro, seja lá o que isso for.
Existe uma outra questão com Druckenmiller. Vira e mexe ele está errado. Não é que ele esteja sempre errado. O sujeito que está sempre errado é de máximo valor, tanto quanto aquele que está sempre certo. Mas Druckenmiller é imprevisível e, por ocasião, comete erros retumbantes como estar pessimista no low da pandemia. Decerto que muitos estavam pessimistas no low da pandemia mas apenas Druckenmiller é Druckenmiller. Poucas coisas podem causar tanta paralisia quanto um dos melhores investidores da história com argumentos macros persuasivos no meio de uma pandemia global. E no entanto você teria perdido um tremendo rally se tivesse dado ouvidos.
Esse é um início de texto um pouco contraditório para alguém que diz gostar de Druckenmiller, eu sei. Mas agora vem a parte boa: Druckenmiller não está nem aí para o que ele fala em público. A CNBC chama o camarada para uma entrevista, ele veste seu terno de milhares de dólares e, com o microfone em mãos, diz que os Estados Unidos caminham para uma década perdida e que ele não está exposto em ações. Enquanto suas palavras viralizam pelo mundo, ele sai do estúdio direto para casa. No dia seguinte o mesmo camarada vai lá, compra NVIDIA e Microsoft e, no fim do ano, seu retorno anualizado de 30% está preservado. Esse é o tipo de coisa que Druckenmiller faz sem cerimônias. Esse, meus amigos, é um camarada especial.
“Se alguém me perguntasse o que me fez ser tão bem-sucedido? Minha primeira resposta seria sobre ter uma mente aberta. Eu nunca me casei com uma posição. Já tive posições em que tinha certeza de que manteria por dois anos. Uma semana depois, eu estava vendido nela. As condições mudam. Se as condições mudarem, você deve se mover imediatamente. Isso era verdade há 20 anos, é 10x agora, com a internet e tudo o mais.”, Stanley Druckenmiller
Existe um tipo específico de investidor que chama minha atenção. É aquele de poucas certezas e muita performance. Sem a afetação de brigar com os outros para ter sua razão reconhecida. Ao contrário, briga consigo mesmo para reconhecer que pode não ter razão. Um fato novo ou apenas uma nova interpretação do fato velho. Uma mudança de opinião, uma outra visão e, BOOM, um resultado consistente ao longo do tempo. Esse é o cara a ser observado.
O ser humano, contudo, gosta de observar outro tipo de cara. Mesmo no Brasil. Nelson Rodrigues dizia que brasileiro gosta de ser platéia. Gosta. De um abalroamento no trânsito a uma altercação conjugal e logo se forma uma platéia em volta, cheia de expectativas. Mas o investidor ponderado não atrai ninguém, nem mesmo o brasileiro. Nenhuma alma quer ser platéia de ponderações probabilísticas. Querem, isso sim, ser platéia de guerras de certezas e discussões viscerais.
Acontece que para efeito de performance apenas uma platéia importa, o mercado. E ele pouco se interessa por dogmatismos. O que ele valoriza é liquidez mental que, como bem explicou Morgan Housel, é a habilidade de mudar rapidamente de opinião sem se prender a uma determinada visão de mundo. Voltando ao nosso velho amigo Druckenmiller, olha só essa passagem de Jack D. Schwager em The New Market Wizards:
Outra lição importante a ser tirada desta entrevista é que, se você cometer um erro, você deve responder imediatamente! Druckenmiller cometeu o incrível erro de sair de short para 130% long um dia antes do grande crash de 19 de outubro de 1987, mas ainda assim ele terminou o mês positivo. Como? Quando ele percebeu que estava completamente errado, ele liquidou toda a sua posição comprada durante a primeira hora de negociação em 19 de outubro e, inclusive, passou a ficar vendido. Se ele tivesse uma mente menos aberta, defendendo sua posição original quando confrontado com evidências contrárias, ou tivesse procrastinado para ver se o mercado se recuperaria, ele teria sofrido uma perda enorme. Em vez disso, ele conseguiu um pequeno lucro.
Liquidez mental é liberdade. Ela sequer exige muita inteligência, apenas a disposição de aprender. Na verdade, a inteligência sem liquidez mental é não somente possível como perigosa. A alta inteligência dedicada a justificar opiniões erradas é conhecida como disracionalia, a armadilha dos gênios. A disracionalia pode encontrar sua platéia, mas essa platéia com certeza não será o mercado. O mercado não bate palmas para dogmatismo, não importa o QI de quem o defenda. O mercado arranca dinheiro do gênio como arranca do imbecil. Só o que precisa é a dose certa de inflexibilidade mental em oposição a evidências.
Redes sociais desafiam a flexibilidade mental. Isso porque quanto mais públicos somos em uma opinião, mais difícil fica abandonar essa opinião. Pense comigo, um mero tuíte de 20 palavras pode ser visto no mundo inteiro. Basta um despretensioso tuíte mudando de opinião para que até um japonês do outro lado do planeta possa escrachar sua inconsistência. Somos consistentes em não querer parecer inconsistentes.
Por isso que tem que respeitar quando um sujeito como Druckenmiller não se prende ao que ele próprio fala em rede nacional. Nem todos aguentam o fardo de parecer inconsistente. No entanto, o compromisso de Druckenmiller é com sua performance e, para isso, sua disposição em aceitar mudar de idéia diante da multidão é questão de sobrevivência. O investidor reticente em mudar sua opinião pública deveria pensar duas vezes antes de tornar pública sua opinião.
É claro que apenas estar disposto a mudar de opinião não é suficiente. Veja essa narrativa do próprio Druckenmiller sobre seu maior erro. Vou manter em inglês pra preservar o significado:
“I made a lot of mistakes, but I made one real doozy. So, this is kind of a funny story, at least it is 15 years later because the pain has subsided a little. But in 1999 after Yahoo and America Online had already gone up like tenfold, I got the bright idea at Soros to short internet stocks. And I put 200 million in them in about February and by mid-March the 200 million short I had, lost $600 million on, gotten completely beat up and was down like 15 percent on the year. And I was very proud of the fact that I never had a down year, and I thought well, I’m finished.
So, the next thing that happens is I can’t remember whether I went to Silicon Valley or I talked to some 22-year-old with Asperger’s. But whoever it was, they convinced me about this new tech boom that was going to take place. So I went and hired a couple of gunslingers because we only knew about IBM and Hewlett-Packard. I needed Veritas and Verisign. I wanted the six. So, we hired this guy and we end up on the year — we had been down 15 and we ended up like 35 percent on the year. And the Nasdaq’s gone up 400 percent.
So, I’ll never forget it. January of 2000 I go into Soros’s office and I say I’m selling all the tech stocks, selling everything. This is crazy…at 104 times earnings. This is nuts. Just kind of as I explained earlier, we’re going to step aside, wait for the next fat pitch. I didn’t fire the two gunslingers. They didn’t have enough money to really hurt the fund, but they started making 3 percent a day and I’m out. It is driving me nuts. I mean their little account is like up 50 percent on the year. I think Quantum was up seven. It’s just sitting there.
So like around March I could feel it coming. I just — I had to play. I couldn’t help myself. And three times the same week I pick up a — don’t do it. Don’t do it. Anyway, I pick up the phone finally. I think I missed the top by an hour. I bought $6 billion worth of tech stocks, and in six weeks I had left Soros and I had lost $3 billion in that one play. You asked me what I learned. I didn’t learn anything. I already knew that I wasn’t supposed to do that. I was just an emotional basket case and couldn’t help myself. So, maybe I learned not to do it again, but I already knew that.”
Esse episódio é fantástico. Não é do meu feitio celebrar o insucesso alheio mas quando alguém como Druckenmiller comete essa sequência de atos falhos confesso que me causa uma pontada de alegria. Nos mostra como não existem super heróis. Somos todos humanos em nossas próprias cagadas.
Note que, nesse caso, mudar de opinião não foi um problema para Druckenmiller. O problema, contudo, esteve em mudar de opinião pelos gatilhos errados. Uma lição desse erro é que não basta estar disposto a ajustar as velas se errarmos na direção do vento. Mas ainda assim aceitar que as vezes temos que ajustar as velas é essencial. Essa, uma lição de um track record de 30% a.a. por três décadas.
Obrigado pela leitura e voltamos na próxima postagem com nossa programação normal de uma nova empresa gringa.
Gostou? Então clica aqui embaixo pra compartilhar e se inscrever!
Muito bom!