Ticker: $RMS.PA
Website: www.hermes.com
Status vende.
Nem todo mundo entende bem isso. Pra alguns, comprar é mais uma questão prática. Se você precisa de uma bolsa, pra que gastar $10 mil em uma que vai guardar tanta coisa quanto uma de $20?
Enquanto isso, como diria Robert Quillen, outros chegam a gastar o que não tem, pra comprar o que não precisam, pra impressionar quem eles nem gostam. É assim que as coisas são.
E se tem alguém disposto a comprar, tem alguém disposto a vender. As marcas de luxo são as especialistas em vender status. Lá na França, uma velha empresa familiar é única no mundo na arte de vender status através de bolsas.
Nada de Louis Vuitton, apesar do desejo de Bernard Arnault.
Estamos falando da crème de la crème.
Estamos falando da Hermès!
Hermès, um pouco de história
A Hermès caminha pra 200 anos de idade. É bastante coisa. A empresa começou em 1837 pelas mãos de Thierry Hermès. Foi por um desses desvios da história que a Hermès foi fundada por um francês. Thierry nasceu em uma região que hoje pertence à Alemanha. Acontece que foi em uma época onde Napoleão anexava tudo o que via pela frente e, uma das coisas que ele viu, foi a cidade onde Thierry nasceu. Por isso pode-se dizer que Thierry foi mesmo francês. Tão francês que se mandou pra Paris quando tinha 20 anos. Sozinho, órfão e depois de ver sua família dizimada por guerras e doenças. A vida era dura pra burro nessa época.
Em Paris, Thierry abriu sua loja de arreios de cavalo. Pois é, foi assim que a Hermès começou. Versado no trabalho de couro, Thierry fazia produtos de alta qualidade para nobres e, pasmem, empresas de transporte. Afinal de contas, cavalo era transporte. Napoleão e cavalo como transporte, eu te disse que a Hermès era antiga!
Thierry morreu em 1878 e, àquela altura, seu negócio já era um sucesso. Seus arreios e freios eram reconhecidos e premiados. A gestão do negócio passou para seu filho, Charles-Émile Hermès.
Charles-Émile transferiu a loja do pai para um novo endereço, que permanece até hoje como a sede da Hermès. Nessa loja, Charles-Émile fabricou itens de montaria feitos sob medida e começou a expandir o negócio para outros países. Em 1902, Charles-Émile se aposentou e deixou os negócios para seus filhos, Adolphe e Émile-Maurice Hermès. Os irmãos chegaram a renomear a empresa para Hermès Frères (Irmãos Hermès), mas eventualmente Adolphe vende sua parte e Émile-Maurice assumiu a empresa sozinho.
Durante uma viagem ao Canadá, Émile-Maurice descobriu um sistema de fechamento que o deixou fascinado. De volta a Europa, Émile-Maurice patenteou e garantiu direitos exclusivos sobre esse sistema para uso em roupas e artigos de couro. O sistema? Nada mais que o famoso zíper. A Hermès foi portanto a primeira marca européia a usar o zíper. O zíper passou a ser usado em várias bolsas da Hermès e, inclusive, em um casaco de couro feito especialmente para o então príncipe de Gales.
Sob a batuta de Émile-Maurice, os anos 20 e 30 foram marcantes pra Hermès. A linha de produtos ganhou variedade com bolsas femininas, joalheria, vestuário de alta costura e o famoso lenço de seda tão querido por ninguém menos do que Jacqueline Kennedy Onassis. Foi também nesse período que a Hermès começou sua presença nos Estados Unidos.
Émile-Maurice faleceu em 1951 e pela primeira vez o negócio passou a ser comandado por alguém de fora da família. Mas nem tanto assim. Afinal de contas, foi Robert Dumas, genro de Émile-Maurice, quem assumiu as rédeas da Hermès. Robert Dumas já era uma figura importante na empresa. Foi ele quem criou a bolsa Kelly, por exemplo. A bolsa Kelly foi criada nos anos 30 mas só foi renomeada nos anos 50 quando a belíssima Grace Kelly rodou o mundo escondendo sua barriga de grávida com uma Hermès.
Em 1978, Jean-Louis Dumas, filho de Robert Dumas com uma das filhas de Émile-Maurice, assumiu a Hermès. Foi Jean-Louis que lançou a icônica bolsa Birkin, resultado de um encontro casual em um vôo Paris-Londres entre ele e a atriz e cantora britânica Jane Birkin.
Uma breve parada para a Birkin:
A bolsa Birkin é tão especial que merece um pouco mais de atenção nesse espaço. Essas peças tão desejadas podem levar mais de 40 horas para serem fabricadas por um único artesão e seus preços variam de €8,000 a €500,000. Mas você não pode simplesmente entrar em uma loja da Hermès pra comprar uma. Você não vai sair de uma loja Hermès com uma Birkin nem que você entre com €10 milhões em uma maleta como nos filmes. É preciso mais do que apenas ter o dinheiro.
Ninguém sabe ao certo como funciona pra comprar uma Birkin. O processo é difícil e vago de propósito. Certa vez, o atual CEO Axel Dumas foi questionado sobre isso e foi bem honesto:
"Não existe uma regra específica pra isso [comprar uma Birkin]", Axel Dumas
Alguns dizem que é preciso entrar em uma fila de espera mas aposto que se você for em alguma loja e pedir pra colocar seu nome na lista, você não vai conseguir. O que parece mesmo é que a Hermès escolhe qual cliente vai ter o privilégio de comprar uma Birkin. Pra receber esse convite é preciso já ser um cliente com um gordo histórico de compras e um relacionamento com o vendedor. E quando esse convite chegar, saiba que você não vai poder escolher qual o tipo da Birkin você vai comprar. É pegar o que for oferecido e lamber os beiços!
A escassez propositadamente criada pela Hermès em torno da Birkin criou uma situação inusitada, que é o mercado de Birkin de segunda-mão. Enquanto dados do UBS Research indicam que bolsas usadas de marcas de luxo são vendidas com um desconto médio de 35%, as Birkin são vendidas com um prêmio. Isso mesmo, é mais caro comprar uma Birkin usada do que uma nova. Muito mais caro. É o preço que milionários frustrados por não conseguirem uma Birkin na loja oficial pagam pra terem logo a bolsa. E ainda por cima com a opção de poder escolher.
Por conta dessa situação pouco comum, estudos foram feitos comparando a Birkin com algumas opções de investimento. Um exemplo foi esse aqui de 2016 feito pela Baghunter.com:
Seja como for, a mística da Birkin tem valores intangíveis para a Hermès. A dificuldade do processo aumenta o desejo dos ricaços de ter uma Birkin nova. É como se estivessem lutando por uma vaga em um clube exclusivo. Com isso, estão dispostos a gastar mais e a exibir orgulhosamente o item quando finalmente conseguirem.
E quando aquele fã vê a satisfação de uma Kardashian com sua Birkin, o que ele vai fazer? Certamente não comprar uma Birkin, mas talvez um cinto ou um lenço de €1,000.
Os mais ricos e famosos vão desejar uma Birkin enquanto os não tão ricos assim vão desejar qualquer coisa da Hermès. Como diria Axel Dumas:
“Nosso negócio é sobre criar desejo”, Axel Dumas, CEO Hermès
De volta ao texto…
Em 2003, Jean-Louis entregou a liderança da Hermès para Patrick Thomas. Patrick foi o primeiro - e único - não-membro da família a comandar a empresa. Sua história é curiosa. Ele chegou a trabalhar como COO da Hermès sob Jean-Louis mas acabou saindo para outros desafios. Antes de ser chamado de volta por Jean-Louis, esteve no comando da fabricante de uísque William Grant & Sons. Assim como foi com a Hermès, Patrick foi o primeiro não-membro da família a liderar a destilaria escocesa.
Em 2013, a Hermès voltou para o comando da família. Patrick Thomas deu lugar a Axel Dumas, sobrinho de Jean-Louis. Axel é o sexto membro da família Hermès-Dumas a comandar a companhia, função que exerce até hoje.
A ofensiva de um gigante
Patrick Thomas deixou não só a cadeira de CEO para Axel Dumas como também um pepino coorporativo de grandes proporções. Mas, claro, não por culpa dele.
Acontece que em 2010 Patrick Thomas descobriu que a LVMH estava usando várias subsidiárias para acumular secretamente uma grande participação na Hermès. Àquela altura, a posição da LVMH na Hermès já ultrapassava 14%. Estava claro o que estava por vir e Patrick Thomas não gostou nada. O então CEO chegou a dizer que “Se você quer seduzir uma bela mulher, você não começa estuprando ela por trás”. Palavras fortes que contrastam com a marcante elegância da Hermès.
Fato é que ninguém menos do que Bernard Arnault estava por trás disso tudo. Seu plano era seguir acumulando ações e convencer alguns herdeiros a vender para, enfim, assumir a Hermès. Aos poucos, sua participação chegou a 23%. Analistas achavam que o controle seria inevitável e que a Hermès se beneficiaria da associação com a LVMH. Ledo engano.
As famílias controladoras da Hermès decidiram que Hermès e LVMH não tinham nada a ver e que a Hermès deveria continuar independente e familiar. E se defenderam como puderam. Expuseram Arnault como um executivo malvadão, contrataram grandes advogados e denunciaram a LVMH para os reguladores. Além disso, mais de 50 descendentes de Thierry Hermès se reuniram para criar uma holding privada que reunia 50.2% das ações da Hermès. Por essa estrutura, as famílias se comprometeram a manter suas participações até 2031.
Eventualmente a LVMH acabou multada pelos reguladores por omitir seu aumento de participação na Hermès e foi forçada a reduzir o tamanho da sua posição. Em 2017, Bernard Arnault jogou a toalha de vez e vendeu tudo o que ainda tinha da Hermès, reinvestindo os recursos na Dior.
Hermès-Dumas 1 x 0 Bernard Arnault!
O business: posicionamento
No final das contas a família estava certa. A Hermès se saiu muito bem sem precisar fazer parte de conglomerado de luxo nenhum. Ou talvez tenha se saido bem justamente por não fazer parte de um conglomerado.
“Nós não temos uma política de imagem, nós temos uma política de produto”, Jean-Louis Dumas, ex-CEO
A estratégia da Hermès foi jogar seu próprio jogo. A empresa se apoia em requinte e exclusividade. Nada de produção em massa. O que existe é uma preservação da prática artesã que vem desde a fundação da Hermès. Dos 17 mil funcionários da empresa, quase 8 mil são artesãos. Cada bolsa é feita a mão por um único artesão, do início ao fim.
Pra isso, a empresa dá grande ênfase em formação e treinamento. Em 2021 criaram a ‘École Hermès des savoir-faire’, um centro de formação reconhecido pelo Ministério de Educação da França que treina e forma artesãos especializados em trabalho com couro.
Segundo consta, um artesão precisa de 2 anos de treinamento até estar qualificado para montar sozinho uma peça de couro. No caso de uma bolsa Birkin é necessário ter 10 anos de experiência.
Com foco no produto e fabricação manual, a Hermès tem volume limitado quando comparado a seus pares de luxo. Mas isso é exatamente o que eles querem porque dá uma aura de exclusividade e o rótulo de super-luxo. É raro, é caro e é pra poucos.
“A indústria do luxo é construída sobre um paradoxo: quanto mais desejada uma marca se torna, mais ela vende. E quanto mais ela vende, menos desejada ela se torna.”, Patrick Thomas, ex-CEO
Como podemos ver, Patrick Thomas entendia bem o valor da exclusividade. A cliente da marca de alto luxo não quer gastar muito em uma bolsa que aparece na mão de uma mulher diferente em cada esquina. Ela prefere gastar mais para ser uma das únicas donas daquela peça. Tanto melhor se for a única.
É por isso que o próprio Thomas deu uma declaração aparentemente paradoxal para o livro ‘Kapferer on Luxury: How Luxury Brands Can Grow Yet Remain Rare’:
“Quando um produto vende muito, nós o descontinuamos imediatamente”, Patrick Thomas
Foco no produto, operação verticalizada, matéria-prima de alta qualidade, fabricação manual, oferta limitada, peças exclusivas e, claro, preços altos. Muito altos.
Foi assim que a Hermès venceu sozinha.
O business: números
Nos últimos 10 anos, a Hermès cresceu receita a +12%a.a. Mesmo no atual estado das coisas, com tantas incertezas mundo afora, a Hermès vende bem. No 3T2022 a Hermès cresceu em todas as linhas de receita. Crise pra quem?!
Se alguém está em crise, com certeza não são os magnatas chineses. Por lá, eles impulsionaram o crescimento de 47% do Asia-Pacifico. A grande força de venda veio mesmo com os isolamentos que andaram rolando na China nesse período.
O segmento de Relógio cresceu bastante mas, convenhamos, foi a partir de uma base menos representativa. O crescimento mais relevante talvez tenha sido o de “Vestuário e acessórios”. Nesse segmento vão roupas masculinas e femininas, cintos, luvas, chapéus e sapatos.
As margens da Hermès são simplesmente fantásticas. Superiores até do que a de muitas empresas de tecnologia. E definitivamente as melhores do setor, acima de LVMH e Kering (dona da Gucci e Saint Laurent). Uma coisa curiosa é que a Hermès tem um baixo custo de marketing e sequer tem um departamento exclusivo pra isso. Diferente de outras marcas de luxo, a Hermès não contrata celebridades para divulgar suas peças.
“Nós não pagamos ninguém pra usar nossos produtos e nós não damos nada pra ninguém. A estrela é o produto.”, Guillaume de Seynes, Hermès MD
A Hermès tem um invejável ROE ~30%, baixo capex e um crescimento que faz dela uma máquina de imprimir dinheiro. Soma-se a isso a estrutura familiar e temos aí um baixíssimo risco de diluição. Ao longo dos últimos anos, o FCF/ação cresceu a um belo 17%aa. Enquanto o dinheiro vai empilhando no balanço vai ser interessante ver o que a gestão vai fazer. Mas historicamente a Hermès é uma alocadora de capital muito conservadora, sem a agressividade de um Bernard Arnault.
Tudo é lindo até vermos o preço. Não dos produtos, mas da ação. Nem a ação é barata. Nunca foi. Hoje ela negocia a ~27x fwd EBITDA. Não vou mentir, eu adoraria ser acionista da Hermès. Mas nesse patamares ainda prefiro ficar de fora.
Até as ações da Hermès são caras demais pro meu bico.
Curiosidades & Dados
. A Hermès usa fios de seda do Brasil. Mais especificamente, de Maringá-PR.
. A Hermès tem parceria com a Apple na criação de alguns produtos como, por exemplo, o Apple Watch Hermès.
. A Hermès possui 52 locais de produção, divididos por expertise e espalhados por 9 regiões francesas
. 78% dos produtos são fabricados na França
. Recentemente, a casa de leilão Sotheby’s vendeu a bolsa de luxo mais cara da sua história. Foi uma Hermès Kelly, feita com couro de crocodilo, e arrematada em Paris por €352,800.
. O recorde de preço de uma bolsa de luxo vendida em leilão ainda pertence à Christie’s, que vendeu uma Hermès Himalaya Diamond Kelly 28 por $510,000 no ano passado.
Obrigado por mais essa leitura!
Gostou? Então clica aqui embaixo pra compartilhar e se inscrever!
Fui olhar o histórico de preço da ação, lembrou uma WEGE3 ou EQTL3, em gráficos mais longos vai sempre fazendo topos e fundos ascendentes, apesar de sempre parecer cara nos múltiplos.