O negócio dessa quinta-feira é de uma empresa cujo tempo de comprar já passou. Mas não é nada que nos impeça de olhar o que aconteceu. É um desses cases interessantes e que no final contou com a participação da ilustre turma da 3G.
O negócio em si é a Hunter Douglas. Para aqueles ainda não iniciados na empresa, a Hunter Douglas é a principal firma de cortinas, toldos e persianas do planeta, presente em mais de 100 países.
A empresa gosta de contar sua história como se tivesse começado em 1919 com Henry Sonnenberg lá em Dusseldorf. Mas a verdade é que a Hunter Douglas como conhecemos hoje começou mesmo foi na terra do Tio Sam. Henry Sonnenberg se mudou da Holanda para os Estados Unidos nos anos 40 e, uma vez por lá, fundou a Hunter Douglas a partir de uma parceria com o inventor Joe Hunter. Hunter tinha acabado de criar a máquina de fundição contínua do alumínio, que foi o que permitiu o desenvolvimento das persianas de alumínio. Eventualmente a empresa mudou sua sede para a Roterdã/Holanda e veio a ser negociada na bolsa de Amsterdã.
A Hunter Douglas viu seu auge em 2007, com receitas e margens recordes. Infelizmente para uma empresa que vende cortinas, parte importante desse resultado veio de uma grande carteira de investimentos que a empresa tinha. E como qualquer um que viveu a crise financeira de 2008 pode te dizer, o que veio depois de 2007 não foi muito bom. Com a Hunter Douglas não foi diferente. A carteira perdeu muito valor em 2008 e a empresa postou seu primeiro resultado negativo em um bom tempo.
A boa notícia é que também foi o último resultado negativo desde então. A Hunter Douglas se reorganizou internamente e descontinuou aos poucos sua grande carteira de investimentos. Fez aquisições importantes como Levolor & Kirsch, Blinds 2go e Hillarys e voltou a focar no seu core business. Aos poucos, viu seus números se recuperarem.
Pode ser que não encha os olhos dos amantes de crescimento e tecnologias revolucionárias, mas a tradicional empresa do monótono ramo das cortinas tem números interessantes e uma baita posição competitiva. A Hunter Douglas é global, dominante em um mercado de nicho, balanço forte e grande geração de caixa livre ~400 milhões/ano. É um desses casos que se ela fosse privada nem precisaria abrir capital. E foi por esse pensamento que a família Sonnenberg entrou.
Uma coisa que até agora eu não falei é que a família Sonnenberg detinha 83% das ações da Hunter Douglas. Pois é, basicamente uma empresa familiar de €2 bilhões de valor de mercado. Sendo assim, o float era pequeno, a ação iliquida e a empresa não tinha muita cobertura de analistas.
Quando a pandemia começou, a Hunter Douglas sofreu assim como boa parte dos negócios mundo afora. Afinal, ninguém queria ter sua casa invadida por desconhecidos medindo e instalando cortinas. Quando incerteza e piora de fundamentos encontram falta de liquidez, o preço cai. E o preço da ação da Hunter Douglas caiu.
Acontece que a Hunter Douglas se recuperou muito bem da pandemia. Os números começaram a melhorar já no 3o trimestre de 2020. Observando a melhora do business e o baixo preço das ações, Ralph Sonnenberg aproveitou o fim de 2020 para fazer uma oferta de €64 para comprar a parte dos minoritários. O preço da oferta de €64 foi calculado com base na cotação recente - e bem descontada - das ações. Um timing bem interessante!
O comitê de investimento apontado recomendou que os minoritários aceitassem. Curiosamente, nenhum membro do comitê era acionista da companhia. Também curiosamente, todos os membros do comitê eram antigos no Conselho. Será que eram amigos do Sonnenberg? Será?
O memorandum da oferta ainda dizia que a família Sonnenberg poderia adotar um procedimento de aquisição compulsória graças a sua alta participação na companhia. Acontece que a alta participação não era suficiente para um squeeze-out dos minoritários dentro das leis holandesas. Então por que eles colocaram isso? Bom, aqui vai outro detalhe que eu também ainda não falei, que é que a Hunter Douglas era incorporada em Curaçao e, pelas leis de Curação, o squeeze-out seria possível. Mas estando listada na Holanda, com sede na Holanda e com maioria de acionistas na Holanda, a coisa podia não ser tão simples se os minoritários resolvessem encrencar.
E encrencar eles fizeram. A oferta de €64 não agradou os minoritários, diferente do que o ‘imparcial’ Comite de Investimento poderia pensar. O fundo AddValue, o maior dos minoritários, deixou claro o quanto a família Sonnenberg estava subavaliando a empresa. Para a AddValue, um preço razoável seria €118.50.
A oferta foi tão baixa que, em pouco tempo e diante dos resultados de 2020, a ação logo reprecificou. Ralph Sonnenberg não teve outra opção a não ser aumentar sua oferta, dessa vez para €82. O Comitê de Investimentos, claro, recomendou que os minoritários aceitassem essa oferta também. Mas se por um lado a oferta aumentou, por outro lado os minoritários também revisaram seus cálculos. O fundo AddValue seguiu contra a nova oferta e levantou seu preço justo para €175.
Dessa vez Ralph Sonnenberg não aumentou a proposta e apenas uma minúscula fração dos minoritários entrou na oferta. Além disso, Sonnenberg não tentou nenhum tipo de squeeze-out. A configuração a essa altura (meio de 2021) ficou interessante:
Pós-oferta, o preço da ação estava a ~€95 e o business continuava na ascendente. Pelo que aconteceu na oferta, Ralph Sonneberg estabeleceu um piso de €82 (14% downside) enquanto os minoritários que resistiram à oferta sinalizavam com pelo menos €150 (58% upside) de valor justo.
O resultado para os minoritários saiu melhor do que a encomenda. Em Dezembro, a 3G Capital comprou a Hunter Douglas por €175. Parece até que usaram os cálculos da AddValue pra poupar trabalho…
€175 foi tão justo que até Ralph Sonnenberg aceitou vender sua parte. O preço foi um prêmio de 73% para o valor que a ação era negociada na época, 113% para o valor de €82 ofertado há seis meses e 173% para o valor de €64 inicialmente ofertado por Ralph Sonnenberg e recomendado pelo Comite de Investimento um ano antes. Os minoritários bateram o pé e encheram o bolso!
E aqui acaba nossa postagem de quinta-feira. Um post com um pouco de tudo. Luta de minoritários, cara de pau de controlador, conflitos de interesses e, talvez o mais importante, o tipo de negócio que interessa a JP Lemann e o pessoal da 3G.
Um abraço pra você e, se gostou, compartilhe!
*período de 4t2020-3t2021