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Bom dia, família!
Existe um velho ditado que nos ensina a diferença entre conhecimento e sabedoria. Diz ele:
“Conhecimento é saber que tomate é uma fruta. Sabedoria é saber que não se coloca tomate em uma salada de frutas.”
Quem diria que o tomate daria um bom ditado?
Um outro bom ditado seria um para nos ensinar que aquilo que parece sábio em um contexto pode não ser tão sábio assim em outro contexto.
Em aviões, por exemplo. As pessoas amam suco de tomate. Elas bebem como se estivessem bebendo água no deserto. Eu não me surpreenderia se os passageiros curtissem uma salada de frutas com tomates. Certa vez a United Airlines tentou tirar o suco de tomate dos vôos e teve que voltar atrás por causa da pressão dos clientes.
Lembremos que a United Airlines não é assim tão sensível à opinião pública. Quem ai se lembra de um episódio onde filmaram um passageiro da United Airlines sendo arrastado para fora do avião por questões de overbooking? Foi um negócio impactante na época.
O rapaz, completamente tonto e ensanguentado, sendo escurraçado da aeronave. Um grande dramalhão. O CEO da United Airlines, com todo seu tato, limitou-se a dizer que era uma pena ter que reacomodar os passageiros. Uma reacomodação e tanto, se querem minha opinião. Enfim, fato é que ninguém ousou reacomodar o suco de tomate.
Não só o suco de tomate é popular nos aviões. Um outro ícone é o Biscoff, aquele biscoitinho cujo nome vem da união de biscuit com coffee. A diferença é que o Biscoff é delicioso tanto em terra quanto nas ares.
A fabricante do Biscoff é a empresa que vamos visitar hoje.
Com vocês, Lotus Bakeries NV!
Uma breve história
A Lotus é uma dessas empresas européias que foram fundadas há muito tempo e que continuam controladas pela família do fundador. Já vimos casos desse tipo aqui no blog. Essas situações podem gerar desconforto entre investidores escaldados com os abusos de controladores e, assumindo que você seja brasileiro, é bem possível que seja seu caso. Mas por vezes o veneno é remédio. Não é raro encontrar pela Europa empresas familiares que são operadas com um nível de responsabilidade que só um enraizado sentimento de preservação do legado é capaz de proporcionar. É o caso da Lotus.
A Lotus nasceu na Bélgica de 1932 pelas mãos de Jan Boone Sr. O velho Boone usou só ingredientes naturais para criar um biscoito caramelizado que resolveu chamar de Lotus, igual a flor, para simbolizar a pureza do produto. O biscoito ganhou popularidade e ficou famoso por ser um excelente complemento para o café. O sucesso foi tanto que passou a se chamar Biscoff®, com marca registrada e tudo.
A expansão internacional começou pelos países vizinhos. Nos anos 80 veio o primeiro grande salto e a marca expandiu para a Ásia. A essa altura a empresa já era comandada por Karel Boone, filho do fundador. Pelas mãos de Karel veio também o IPO na Bolsa de Bruxelas, em 1988.
O passo seguinte da expansão internacional foi talvez o mais importante. A Lotus chegou para o mercado americano por um canal de distribuição especial, as companhias aéreas. A Delta foi a primeira a incluir o Biscoff no seu menu e os passageiros gostaram tanto que a parceria fez a Lotus fornecer biscoitos gravados com o próprio nome da Delta. Além da Delta, outras companhias como American Airlines e United Airlines também viraram clientes.
Hoje o mercado americano é o maior do Biscoff e o segundo maior da Lotus, atrás apenas do Reino Unido.
A Lotus hoje
A Lotus acaba de romper a marca de €1 bilhão em vendas pela primeira vez na sua história. Talvez mais importante do que ver como estamos hoje, é observar como chegamos até aqui. No caso da Lotus, um crescimento de receita consistente de 12.3% aa na última década.
Um pouco mais da metade de toda essa venda vem do Biscoff. Incrível que um biscoito de 1932 faça todo esse sucesso quase 100 anos depois. Pra ser justo, quando falo do Biscoff não me refiro apenas ao biscoito, mas de toda a linha de produtos baseada nele. Um exemplo é o Biscoff Spread, uma pasta para passar na torrada ou usar em sobremesas que é também muito popular.
Mesmo depois de quase um século de vida, o Biscoff ainda consegue crescer como um jovem. 16% aa na última década. O crescimento vem não só pelos outros produtos da linha mas também pelo próprio biscoito. De acordo com ranking da Euromonitor sobre as principais marcas globais de biscoitos, o Biscoff hoje é top5 e está na ascendente. A ambição da Lotus é fazer do Biscoff um top3. Caso esteja se perguntando, o Oreo (Mondelez) é de longe a principal marca de biscoito do mundo.
Para quem achava que a Lotus se resumia ao Biscoff, fica uma surpresa. O Biscoff é sim o principal produto mas não é o único. Quase €500 milhões de receita vem de várias outras marcas que a Lotus foi adquirindo e desenvolvendo ao longo do tempo. Essas outras marcas estão distribuidas entre “Natural Foods” e “Local Heroes”.
“Local Heroes” possuem forte presença nos seus países. Aqui, a ambição da Lotus é menos de crescimento e mais de manutenção de liderança e geração de caixa. Representa 22% da receita total e cresce a 3% a.a. desde 2013.
“Natural Foods” é a iniciativa da Lotus no segmento de snacks saudáveis. É onde a Lotus concentra maiores esforços de internacionalização, inovação e aquisições. Representa 24% da receita total e cresce 17% a.a. desde 2015.
O passado recente da Lotus contou com uma atenção especial ao segmento de Natural Foods. O atual CEO Jan Boone (neto do fundador), assumiu em 2011 e logo buscou diversificar para o segmento de snacks mais saudáveis. Com isso a Lotus foi as compras:
Em 2015 comprou 67% da Natural Balance Foods, fabricante das marcas Nākd e TREK. O resultado dessa união agradou e a Lotus aumentou sua participação para 98% em 2020.
Em 2016 foi a vez da Urban Fresh Foods, fabricante dos snacks de fruta BEAR.
Em 2018 comprou a Kiddylicious, que faz snacks saudáveis para crianças e bebês.
A diversificação para o ramo de healthy snacks foi um esforço da Lotus para não ficar para trás em novas tendências de consumo. Talvez a iniciativa mais surpreendente nesse sentido tenha sido a criação de um fundo chamado FF2032. Nas palavras da Lotus, o FF2032 existe para “criar uma plataforma para investimento em marcas promissoras e empresas em crescimento que oferecem produtos, tecnologias ou abordagens de mercado inovadoras no setor alimentar”. FF significa “fast forward” e 2032 representa o centenário da empresa. Simbólico.
O primeiro investimento do FF2032 foi a Peter’s Yard, uma empresa que produz crackers de longa fermentação. O fundo fez um investimento por 20% da Peter’s Yard em 2019, a marca se desenvolveu bem e a Lotus resolveu concluir a aquisição dos outros 80% no ano passado. O caso da Peter’s Yard é um exemplo daquilo que a Lotus busca com o FF2032: começa com um investimento minoritário para até 20% de uma empresa que tenha de 5-10 anos de vida e que já tenha algum resultado. Ou seja, nada de seed money. Dando certo, aumentam a participação.
Até hoje a FF2032 investiu em cerca de apenas 7 empresas.
A Lotus em números
Não é preciso muito para vermos que estamos diantes de uma dessas empresas estáveis, de balanço forte, que entregam bons resultados. A Lotus tira de letra aquela prova de olhar histórico longo para atestar a qualidade de um negócio. Se eu tivesse que atribuir alguma surpresa eu diria que foi esse crescimento recente, principalmente em 2023, onde até o “Local Heroes” cresceu double digits. Acho melhor ser conservador e não extrapolar esses últimos números. Acredito que “Local Heroes” vai se manter estável, “Biscoff” com crescimento em single-digits e sou um pouco mais otimista com “Natural Foods”, que conta com crescimento inorgânico e mais campo para internacionalização.
A Lotus também é uma ótima opção para os amantes dos dividendos. Há mais de 20 anos que a empresa aumenta seus dividendos anualmente. Não teve crise financeira global e nem pandemia que inibisse a distribuição de dividendos da Lotus. Coisa pra deixar o glorioso Barsi emocionado (alguém indica ‘Negócios pelo Mundo’ pra ele, por favor).
Dividendos são uma forma de retornar dinheiro para os acionistas e, portanto, são populares entre empresas familiares antigas. No nosso caso aqui, quem manda são os Boone. A família controla 65% da Lotus, que nunca na sua história teve um CEO que não fosse um Boone. Então se você quiser apostar no futuro da Lotus, você tem que curtir os Boones.
Verdade seja dita, há um século que os Boone não decepcionam. E se a Lotus distribui dividendos é não só porque quer, mas também porque pode. A empresa belga gera caixa suficiente para suas necessidades de reinvestimento - manutenção + expansão - e ainda sobra um tanto. Mesmo os investimentos feitos via FF2032 são conservadores para o tamanho da Lotus, longe dos exageros que nos acostumamos a ver nas iniciativas de venture mundo afora nos últimos anos.
A política de alocação de capital da Lotus está focada no aumento da capacidade para acomodar o crescimento e a internacionalização do Biscoff e do Natural Foods. O principal projeto do momento é a construção de uma planta na Tailândia para melhorar a distribuição do Biscoff no APAC. O projeto começou com a compra do terreno no fim de 2022 e está previsto para produzir os primeiros produtos em 2026. Já incluindo esse projeto, a expectativa da Lotus é um investimento da ordem de € 200 milhões para 2024 e 2025 juntos. Nada absurdo.
Como já vimos outras vezes nesse espaço, esse tipo de empresa tem certa permanência de valuation alto. Com a Lotus não é diferente. É uma empresa de €7.5 bilhões de valor de mercado sendo negociada a mais de 30x EBITDA. Rendeu 26% aa nos últimos 10 anos, 30% aa nos últimos 5 anos e 53% no último ano. Gostou?
Uma das coisas mais difíceis de internalizar quando investimos é que alguns negócios merecem múltiplos mais altos e que nosso trabalho como investidor é ficar tão satisfeito comprando por 4x um negócio que vale 8x quanto comprando por 10x um negócio que vale 20x. A Lotus hoje está um pouco acima do que eu gostaria de pagar, mas definitivamente é uma empresa que pertence ao segundo grupo.
Resta esperar.
Um abraço e até a próxima,
Leo Caroli