Website: https://www.mancity.com/
Toda vez que escrevo sobre algum clube internacional eu recebo pedidos para fazer um post sobre o Manchester City. Existe algum fascínio em torno do City. Amem ou odeiem, mas o fascínio está ali. Em parte pelo projeto esportivo que estabeleceu dominância dentro do melhor campeonato do mundo e em parte pela força financeira do City Football Group, que transformou o destino do clube em 2008.
Não vou mentir, minha idéia inicial era publicar esse post em uma eventual final da Champions e capitalizar em cima dos holofotes do jogo único. Acontece que apareceu o Real Madrid no meio do caminho do Manchester City e nenhuma pessoa de bom senso deve fazer planos que dependem de uma eliminação do Real Madrid em Champions League. Sendo assim, estou antecipando a postagem.
O texto vai abordar o período a partir da entrada do Sheikh Mansour. A título de transparência, é importante lembrar que o City está sob investigação e foi acusado pela Premier League de violar várias regras financeiras entre as temporadas 2009/2010 e 2017/2018. Sendo assim, convém ler essa postagem com algum ceticismo já que os relatórios oficiais do clube são nossa principal fonte de informação.
E agora, que role a bola!
Esses foram os principais resultados financeiros e esportivos do Manchester City desde a temporada 08/09, ou seja, praticamente todo o período do City Football Group. Em azul temos o período com Pep Guardiola no comando do time. O City segue com chances de ser campeão tanto da Champions League quanto da Premier League na atual temporada 22/23.
A transformação do time ao longo dessas quase 15 temporadas salta aos olhos. Se compararmos o início de tudo com a situação atual, vemos um time que deixou de ser um clube deficitário de meio de tabela sem maiores ambições para um clube auto-sustentável do primeiro esquadrão europeu. Como sempre fazemos, vamos esmiuçar essa transformação.
Receitas
1.Matchday
O Manchester City joga no limite da capacidade do Etihad Stadium, que é de aproximadamente 53 mil torcedores. Em libras esterlinas, isso se traduz em ~£55 milhões por ano. Assim como aconteceu com todos os outros clubes, o City teve enorme perda de receita matchday durante a pandemia. Ao todo, o impacto foi de aproximadamente £70 milhões.
A receita atual é 2.5x maior do que era lá em 08/09. Na época, o City tinha um público médio de 43 mil torcedores e gerava £15 milhões. O crescimento veio não só pelo aumento do público médio como também por reajustes. O primeiro grande salto veio na temporada 12/13, quase dobrando a receita da temporada anterior. Embalado pelo título inédito de 11/12, o City viu demanda recorde por ingressos e programas de sócios. O público médio do City em 12/13 ficou em 47 mil torcedores, limite da capacidade do Etihad Stadium na época.
A temporada 14/15 viu uma queda nas receitas de matchday, mas apenas por conta dos trabalhos de expansão do estádio. A temporada 15/16 foi a primeira com capacidade de ~53 mil lugares e, consequentemente, receitas acima de £50 milhões. Apesar do avanço, o Manchester City tem uma das piores receitas matchday entre os principais clubes ingleses. Para se ter uma idéia, o rival Manchester United gera praticamente o dobro.
2.Broadcasting
Receitas de transmissão são importantes alavancas financeiras para clubes de futebol. Se juntarmos os direitos da UEFA com os da Premier League, veremos que o City fez £250 milhões na temporada 21/22. Esse valor representa mais de 5x os £48 milhões de 08/09. Os direitos da UEFA sequer existiam para o clube quando o CFG assumiu e a temporada 10/11 foi a primeira em que o City recebeu alguma coisa dali. Na época, o clube foi eliminado pelo Dynamo de Kiev nas oitavas da Liga Europa, rendendo modestos £5 milhões.
A temporada 11/12 marcou a primeira participação do City na Liga dos Campeões. Desde então, o clube esteve em todas as edições. A participação regular na Liga dos Campeões é muito importante na receita que o clube recebe da UEFA porque a performance do clube ao longo dos últimos dez anos da competição é o que determina o que é conhecido como Coeficiente UEFA. Parte importante do rateio feito pela UEFA para os clubes é baseada no Coeficiente UEFA, o que acaba beneficiando clubes que mantém bom desempenho na Liga dos Campeões. Atualmente o Manchester City ocupa a oitava colocação do ranking, sendo o segundo clube inglês de melhor colocação. O melhor é o Chelsea que, por enquanto, ocupa o quinto lugar.
Essa evolução do Manchester City na Liga dos Campeões fez uma diferença e tanto. Nas quatro primeiras participações do City, o clube recebeu em média pouco menos de £30 milhões. Já nas últimas seis temporadas, o período sob o comando de Pep Guardiola, o City recebeu em média £76 milhões. A média das últimas duas temporadas foi acima de £100 milhões e, a depender do que vai acontecer na temporada atual, esses valores podem engordar ainda mais.
Dentro da Inglaterra o City nadou de braçada. Os £160 milhões de 21/22 são um grande salto em relação aos £48 milhões de 08/09. Boa parte disso veio através da valorização do futebol inglês e os novos contratos negociados pela Premier League. Ainda assim, parte da distribuição na Inglaterra se dá pela performance da equipe. E aqui, a incrível consistência de Pep Guardiola em pontos corridos faz a diferença. O Manchester City foi campeão em quatro de seis oportunidades desde que Guardiola assumiu o time. Ficou em terceiro lugar na primeira temporada do espanhol no comando da equipe e em segundo lugar em 19/20. Essa performance rendeu ao clube uma média de £157 milhões nas últimas seis temporadas, a maior entre todos os rivais ingleses.
3.Comercial
O Manchester City teve um crescimento meteórico nas suas receitais comerciais, tendo feito £309 milhões em 21/22. Esse valor também é o maior entre todos os clubes ingleses e representa mais de 12x os £23 milhões que o clube faturou em 08/09! O segmento comercial é portanto o mais importante para o Manchester City, representando pouco mais da metade da receita total do clube.
As receitas comerciais do City são tema de debate entre críticos e fãs do clube. O primeiro grande salto nas receitas comerciais do Manchester City veio em 2011 após o clube firmar um generoso contrato com a Etihad Airways. O contrato, válido por 10 anos, incluia a estampa da marca na camisa do clube e o naming rights do estádio. O valor? £400 milhões! Simplesmente o maior contrato desse tipo celebrado no mundo até então.
Para se ter uma idéia, em 2004 o Arsenal havia feito acordo semelhante com a Emirates pelo valor de £90 milhões por duração de 15 anos. Daí podemos entender a insatisfação do então técnico do Arsenal, Arsène Wenger, que à época se manifestou publicamente sobre o negócio do Manchester City dizendo que “patrocínios devem ser feitos pelo valor de mercado. Eles não podem ser o dobro, o triplo ou o quádruplo” .
Coincidentemente, esse contrato do City foi anunciado logo após o clube reportar uma perda recorde de quase £200 milhões na temporada 10/11. Uma perda que segue até aqui como a maior da história da Premier League.
Fato é que a parceria com a Etihad Airways continua até os dias de hoje e atualmente o City recebe cerca de £70 milhões por ano. A outra grande receita comercial do City vem da Puma, a fornecedora de material esportivo do clube. A parceria com a Puma começou na temporada 19/20, em um acordo de £650 milhões por 10 anos. O novo contrato foi uma grande melhoria em relação ao contrato anterior com a Nike, que gerava cerca de £20 milhões por ano.
Por um lado, é justo dizer que a relação do Manchester City com parceiros de Abu Dhabi foi determinante no crescimento comercial do clube mas por outro lado também é justo reconhecer que o Manchester City atraiu importantes parceiros comerciais de vários outros países. Parceiros como a Unilever, Intel, Nissan, Nexen Tire e, claro, a própria Puma. Muitas marcas quiseram se associar ao Manchester City a medida que o clube alcançou sucesso esportivo.
Despesas
Salários e premiações representam o maior custo de um clube de futebol. Há três temporadas que o Manchester City mantém esse custo estável por volta de £350 milhões. Por incrível que pareça, esse valor não é o maior da Inglaterra. O Manchester United está no topo da lista com um custo ~£380 milhões. Vale ressaltar que os £350 milhões do Manchester City são da temporada 21/22, ou seja, não inclui os salários de chegadas recentes como Erling Haaland.
Os atuais £350 milhões são mais de 4x os ~£80 milhões da temporada 08/09. Apesar disso, são níveis mais administráveis graças a melhor realidade que o clube vive hoje. Podemos ver a grande aceleração desse custo até 12/13, resultado de um maior investimento no elenco e premiações por conquistas como a inédita PL de 11/12. A temporada 13/14 foi marcada por um grande corte de pessoal que ajudou a manter os custos de remuneração menores pelas duas temporadas seguintes. No entanto, após a chegada de Guardiola, esse custo de remuneração voltou a subir.
O investimento inicial para construir um elenco mais competitivo foi importante para mudar o perfil do clube. O plano, no entanto, sempre foi o de torna-lo mais sustentável. Um plano que acabou se concretizando. No gráfico podemos ver como o custo de remuneração se manteve acima de 80% da receita nesses anos iniciais da GFC, tendo inclusive ultrapassado 100%. Aos poucos esse percentual foi caindo até atingir o saudável nível de <60%.
Um time que investe no elenco é um time que tem considerável custo de amortização. O custo de amortização é uma forma contábil de distribuir o custo de uma contratação ao longo de toda a duração do contrato do jogador. Assim, um jogador comprado por £100 milhões não significa um custo de £100 milhões para o clube no ano fiscal da sua aquisição. Ao invés disso, se por exemplo seu contrato for de 5 anos, o clube reportará um custo anual de £20 milhões (=100/5) por 5 anos. Clubes ativos no mercado de transferências tem, portanto, considerável custo de amortização.
O Manchester City, claro, é um deles. Nosso período já contempla a primeira temporada do City sob o novo dono, o que quer dizer que a temporada 08/09 já conta com algumas contratações realizadas pelo CFG. Antes dessa nova realidade, o custo de amortização do City não chegava nem a £10 milhões. A gastança inicial levou esse custo para mais de £83 milhões em 11/12, que foi quando o City colocou temporariamente o pé no freio. A partir de 15/16, uma temporada antes da chegada de Pep, o City voltou a ser mais agressivo no mercado de transferências. Na temporada 21/22, o custo de amortização do City foi de £140 milhões. O valor é alto mas não chega a ser o maior da Inglaterra, estando atrás de Chelsea e Manchester United.
O gráfico acima comprova o que acabamos de falar sobre os investimentos no elenco do Manchester City. Jogadores de futebol são listados no balanço do clube como ativos intangíveis, contabilizados a partir do valor da transferência menos a amortização acumulada. Ou seja, é uma linha que cresce a medida que o clube compra novos jogadores e um indicativo do valor do elenco. No caso do City, £442 milhões na temporada 21/22.
Como dissemos, é apenas um indicativo e o valor em balanço não reflete necessariamente o valor de mercado do jogador. Quando um clube paga muito caro por um jogador, o valor registrado no balanço fica acima do valor de mercado. Se então o clube resolver vender o jogador, terá que registrar uma perda na operação. Foi o que aconteceu quando o Barcelona vendeu Philippe Coutinho para o Aston Villa, por exemplo.
O contrário também acontece. Se o jogador se valoriza, ele passa a valer mais do que aparece no balanço. Um exemplo marcante da atual temporada é o do georgiano Kvaratskhelia, comprado recentemente pelo Napoli por cerca de €11 milhões. O jogador se valorizou tanto em 22/23 que hoje está avaliado pelo Transfermarkt em €85 milhões. Ou seja, seu valor no balanço do Napoli está bem abaixo do seu valor real. Caso o Napoli decida vende-lo, vai registrar um ganho de transferência acima de €70 milhões.
Os ganhos com venda de jogadores tem sido importantes para o Manchester City, ajudando a reverter prejuízos operacionais que são comuns em clubes de futebol. O City ganhou incríveis ~£70 milhões em vendas de jogadores em cada uma das últimas duas temporadas. Se considerarmos o lucro acumulado com vendas de atletas desde a chegada de Guardiola, esse valor está em £290 milhões. A valorização de jogadores do elenco é uma das razões pra esse lucro, já que uma equipe organizada e vitoriosa tende a valorizar seus atletas ainda que por mera associação.
Uma outra razão é a venda de jogadores formados no próprio clube. Jogadores da base não são contabilizados no balanço dos times, de forma que todo o valor da transferência é contabilizado como lucro quando eles são vendidos . Se por exemplo o Phil Foden for vendido por £80 milhões, serão £80 milhões em ganhos de transferências para o City.
O Manchester City tem investido na base desde que o CFG assumiu e os jogadores que não são aproveitados se tornam fonte de lucro. Só na última janela o Southampton comprou Gavin Bazunu, Romeo Lavia, Samuel Edozie e Juan Larios da base do Manchester City. Um total de quase 40 milhões de euros de puro lucro.
Os dados acima detalham a atuação do Manchester City no mercado de transferências. Desde 09/10, o City teve um gasto líquido de quase £1.4 bilhão. Chama atenção como as temporadas 09/10 e 10/11 registraram gasto líquido com contratações que superaram toda a receita do clube. Como diz o ditado, “takes money to make money”.
Nas últimas cinco temporadas, esse valor foi de £566 milhões. Na postagem que fizemos sobre o Liverpool, nós mostramos que os Reds tiveram um gasto líquido total de £429 milhões entre 14/15 e 20/21. Para o mesmo período, o gasto do City foi de £848 milhões. Uma diferença e tanto! A temporada 22/23 vai registrar a chegada de jogadores como Haaland, Kalvin Phillips e Akanji. Para compensar, terão as saidas de gente como Sterling, Gabriel Jesus e Zinchenko.
Financiamento
Como podemos ver, a transformação pela qual o City passou tem um preço. E tudo começou com um acelerado programa de investimentos feito pelo sheik Mansour Bin Zayed Al Nahyan assim que o grupo de Abu Dhabi assumiu o clube. A política adotada foi a de investir agressivamente no fortalecimento do elenco. Jogadores como Robinho, Tevez, Dzeko, Yaya Touré, Balotelli e David Silva foram alguns dos primeiros a chegar. A idéia era fazer o sucesso esportivo acelerar o crescimento de todas as linhas de receita (comercial, broadcasting, matchday) até o ponto em que o clube se estabilizasse em uma operação sustentável.
A maneira escolhida pelo sheik Mansour para injetar recursos no clube foi através de emissão de ações:
Ao todo, o sheik Mansour injetou £996 milhões no Manchester City desde que assumiu. Na verdade, esse valor é ainda maior já que em 2011 novas ações foram emitidas em troca de uma dívida de £305 milhões que o clube tinha com o grupo. Sendo assim, o sheik colocou ao todo mais de £1.3 bilhão desde 2008 para transformar o Manchester City no clube que vemos hoje.
Com certeza é muito dinheiro. Nenhum outro clube chegou perto de receber esse nível de investimento dos donos se considerarmos o período todo desde 2008. Mas é interessante ver como foi essa injeção ao longo do tempo. Praticamente todo o valor foi injetado até a temporada 14/15. A injeção de capital foi muito mais modesta desde então, de “apenas” £81 milhões, e menor do que vários outros clubes da Premier League. Diga-se de passagem, sem prejuízo esportivo. Muito pelo contrário, talvez o City esteja vivendo hoje seu melhor momento em campo desde a chegada do sheik Mansour.
Aparentemente o grupo de Abu Dhabi alcançou o objetivo traçado lá em 2008 para o clube. Hoje o Manchester City é um dos principais times europeus, inclusive liderando o famoso ranking Deloitte Football Money League. Não só isso, como também é um clube que alcançou um novo nível de estabilidade financeira. Desde 14/15 que o City posta lucros (exceção feita ao período da pandemia), sendo que a última temporada representou o melhor resultado financeiro da história do clube.
Na verdade, nem todos os objetivos foram conquistados. Ainda falta um: a cobiçada orelhuda da Champions League. E é hoje que o Manchester City entra em campo para mais um desafio rumo a esse objetivo. O adversário é ninguém menos do que o Real Madrid. O mesmo Real Madrid que já possui 14 títulos de Champions League. O mesmo Real Madrid que eliminou o Manchester City na temporada passada.
E o mesmo Real Madrid que me fez antecipar essa postagem!
Espero que tenham gostado!
Como sempre, obrigado por mais essa leitura!
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