Nossa empresa de hoje é especial. Especial na sua tradição e também na sua inovação. Especial na sua notoriedade e também na sua discrição. Em todo seu esplendor e prestígio, a nossa empresa de hoje é a ROLEX.
. HISTÓRIA E INOVAÇÕES
Só existe uma maneira de começar falando da ROLEX e essa maneira é falando de Hans Wilsdorf. Hans Wilsdorf nasceu em 1881 na Alemanha e quis o destino que ficasse órfão com apenas 12 anos. Foi parar na casa dos seus tios, que por sua vez o enviaram para um dos melhores internatos.
Seu contato com os relógios começou logo após concluir seus estudos. Hans tinha quase 20 anos quando se mudou para a Suiça e passou três anos trabalhando para a Cuno Korten, uma empresa que exportava relógios de bolso. Dali, Hans foi trabalhar em uma relojoaria de Londres. Ficou só o tempo de juntar um dinheiro e abrir, em 1905, a Wilsdorf & Davis. A empresa era uma sociedade com seu cunhado e foi estabelecida em Londres mesmo.
A Wilsdorf & Davis distribuia relógios de pulso em uma época onde relógios de pulso não eram lá grande moda. Eles importavam os movimentos suiços de uma fornecedora chamada Aegler e depois os colocavam em caixas de alta qualidade para, então, vender pra joalheiros interessados em incluir suas próprias marcas nos relógios.
Na época, a Aegler tinha vários outros clientes além da Wilsdorf & Davis. Mas o volume de pedidos cresceu a ponto de a Aegler passar a fornecer exclusivamente para a ROLEX em 1936. Em 2004, a Aegler foi oficialmente comprada pela ROLEX.
“A minha opinião pessoal é que os relógios de bolso vão desaparecer quase por completo e que os relógios de pulso os substituirão definitivamente! Não estou enganado nesta opinião e você verá que estou certo.” - Hans Wilsdorf
Se a visão de Hans Wilsdorf eram os relógios de pulso - e eram! - então ele tinha muito trabalho a fazer. Um deles era mostrar que um relógio de pulso poderia ser tão preciso quanto os relógios de bolso. Pra isso, Wilsdorf enviou um dos seus relógios para o Centro Oficial de Avaliação de Relógios de Bienne, na Suiça. O relógio foi aprovado e se tornou o primeiro relógio de pulso a conseguir o certificado suiço de precisão cronométrica.
Obcecado por precisão, Hans Wilsdorf ainda não estava satisfeito. Então em 1914 ele enviou seu relógio para ser testado no Observatório de Kew, na Grã-Bretanha. O Observatório de Kew era considerado especialmente rigoroso. Eles eram os responsáveis por testar nada menos do que os cronômetros marítimos da Marinha Britânica. Imagine ser responsável por avaliar a qualidade de instrumentos vitais pra navegação marítima da Grã-Bretanha em plena época de Guerra Mundial?!
“Não é com preços baixos mas, pelo contrário, é com melhor qualidade que podemos não só manter o mercado, como melhorá-lo” - Hans Wilsdorf
O Rolex enviado por Wilsdorf passou nos testes e foi também o primeiro relógio de pulso do mundo premiado com um certificado “A” de precisão do Observatório de Kew. Até então, só verdadeiros cronômetros marítimos tinham conseguido essa distinção. A essa altura, os relógios ROLEX já eram de reconhecida precisão.
Em 1919 Hans Wilsdorf mudou a empresa de Londres para a Suiça. A mudança trouxe algumas vantagens para a ROLEX: (1) a Suiça era reconhecida globalmente como um país referência em relógios; (2) a ROLEX ficaria mais próxima dos seus fornecedores e (3) saindo da Inglaterra, Wilsdorf evitaria os altos impostos pós-guerra. Foi pouco tempo depois dessa mudança que o icônico logotipo da ROLEX foi criado.
A personalidade inovadora de Wilsdorf passou então a um novo foco: esportes. Wilsdorf resolveu desenvolver um sistema a prova d’água para que o relógio de pulso pudesse ser usado diretamente pelos praticantes de esportes. Na época, o relógio de bolso era usado externamente para as marcações dos tempos mas Wilsdorf achava que o atleta deveria poder usar seu próprio relógio. Foi dai que surgiu o Oyster, a primeira caixa impermeável do mundo em um relógio de pulso. Um verdadeiro marco da indústria.
Uma característica marcante de muitos grandes fundadores é uma incrível capacidade de contas estórias. Esse talento pode ser a diferença entre uma invenção que muda o mundo e uma mesma invenção que acaba esquecida e abandonada em um departamento de P&D. Hans Wilsdorf sabia comunicar sua estória.
Para divulgar o Oyster, Wilsdorf se aproximou de uma britânica chamada Mercedes Gleitze. Mercedes foi a primeira mulher britânica a atravessar a nado o Canal da Mancha. A proposta de Wilsdorf era que Mercedes atravessasse mais uma vez o Canal da Mancha, desta vez usando um ROLEX. Assim foi feito, mas infelizmente dessa vez ela não conseguiu concluir a travessia. Mercedes Gleitze foi a primeira embaixadora da ROLEX e estabeleceu com a marca um tipo de parceria que viria a se tornar popular na indústria da publicidade.
Para a ROLEX não foi tão importante que Mercedes não tivesse conseguido concluir o desafio. O importante é que a tentativa atraiu a atenção do mundo para um Oyster que, mesmo após horas em águas geladas, continuou funcionando perfeitamente. Foi a prova definitiva da qualidade do Oyster. O jornal Daily Mail o descreveu como: “O maravilhoso relógio que desafia os elementos. À prova de umidade. À prova de água. À prova de calor. À prova de vibração. À prova de frio. À prova de poeira”
Lembra quando eu disse que o fundador pode ser a diferença entre o ostracismo e a glória para uma invenção? Foi assim com a terceira grande inovação de Wilsdorf, o mecanismo de corda automática com rotor perpétuo. A idéia patentada em 1931 faz com que o relógio dê corda automaticamente. Outros inventores chegaram a construir relógio automáticos antes da ROLEX, mas foi o padrão ROLEX que se tornou referência.
A inovação da ROLEX continuou nos anos seguintes. Em 1945, a ROLEX lançou o ROLEX OYSTER DATEJUST. Foi o primeiro relógio de pulso cronômetro a mostrar a data em uma janela no mostrador. Em 1956 a ROLEX lançaria o ROLEX OYSTER DAYDATE, que indicava a data e o dia da semana por extenso no mostrador.
Infelizmente Wilsdorf faleceu pouco depois disso, em 1960. Aquele garoto órfão que revolucionou uma indústria e criou um império estabeleceu seu próprio caminho uma última vez: a ROLEX pertenceria à Fundação Hans Wilsdorf!
O NEGÓCIO
Aqui a ROLEX difere um pouco dos últimos negócios que andamos analisando. A ROLEX não é pública. Não é possível comprar ações da empresa e sequer sabemos exatamente quais são seus números. Tudo é especulação. Ou, no máximo, um palpite educado.
A ROLEX pertence à Fundação Hans Wilsdorf. Essa fundação foi criada pelo próprio Hans em 1945, logo após o falecimento da sua esposa. Sem alardes, a Fundação Hans Wilsdorf é uma das maiores entidades filantrópicas da planeta. Boa parte dos lucros da ROLEX vão para iniciativas sociais e o resto é reinvestido na empresa. Os membros que controlam a fundação são extremamente discretos e pouco se sabe sobre eles.
O CEO que comanda a empresa desde 2015 é Jean-Frederic Dufour. Dufour foi presidente da Zenith por 5 anos antes de assumir a ROLEX. A Zenith é uma relojoaria de luxo pertencente ao grupo LVMH. Dufour é o sexto CEO da história da ROLEX, sendo o quarto desde 2008.
Toda a operação da empresa é verticalizada. Essa integração vertical de manufatura é uma marca da ROLEX. Nem sempre foi assim. A ROLEX já chegou a ter quase 30 fornecedores diferentes até que o CEO Patrick Heiniger decidiu iniciar o processo de verticalização. Foi nesse processo que acabaram comprando a Aegler, lembram?! Compraram também a famosa fabricante de braceletes Gay Frères. Algumas outras relojoarias de luxo como a Patek Philippe também são bem verticalizadas, mas a maioria não é.
Um processo de fabricação tão completo requer vários profissionais e, em se tratando de uma empresa como a ROLEX, esses profissionais precisam ser especializados. A ROLEX tem uma parceria com o Instituto Federal Suiço de Tecnologia, de onde troca inteligência e recruta funcionários. Além disso, a Rolex abriga um grande centro de formação em Genebra para dar treinamento a designers, engenheiros, relojoeiros e vários outros especialistas.
A ROLEX tem ao todo quatro espaços:
1- Les Acacias: fica em Genebra e é a sede da empresa. Lá é onde fica o ponto final da linha de produção da Rolex. É onde os relógios recebem a montagem final e passam pelo controle de qualidade.
2- Plan-Les-Ouates: Fica em um parque industrial perto de Genebra onde encontramos também prédios da Piaget, Patek Philippe e Vacheron Constantin. É o prédio da ficção científica, da tecnologia. Nesse prédio, que é o maior de todos, estão os cientistas com seus laboratórios e uma fundição particular de ouro. Em termos de negócios, lá é onde está o grande moat (vantagem competitiva) da Rolex.
3- Chêne-Bourg: Localizado próximo a fronteira com a França, é aqui onde fica a joalheria e onde são feitos os mostradores da Rolex.
4- Bienne: fica ao norte de Berna e é onde são feitos os movimentos. Lembram da Aegler? Então, era ela! Especula-se que a Aegler foi vendida em 2004 pra Rolex por 1 bilhão de francos suiços!!!
A Rolex tem uma rede de distribuição com lojas próprias e representantes autorizados que cobre ao todo mais de 100 países. Embora não dê pra saber ao certo, estima-se que a Rolex produza um milhão de relógios por ano a um preço médio de venda de 7 mil dólares. Um milhão pode parecer bastante mas não é um número tão grande assim pra indústria. Outras marcas produzem muito mais mas possuem receitas menores, em uma demonstração de pricing power da Rolex.
A Morgan Stanley estima que a receita da Rolex no ano passado tenha sido de CHF 8 bilhões, o que representa um market share líder absoluto de 29% do mercado global de relógios suiços. A Rolex tem mais receita do que o Grupo Swatch, que possui um total de 17 marcas (entre elas, Longines e Omega). Brutal!
Não se trata apenas de qualidade. O marketing sempre foi um importante elemento na construção desse market-share da Rolex. A empresa associou seu nome a grandes conquistas ao longo do tempo, com seu programa de embaixadores e seu patrocínios em vários eventos esportivos. Sir Malcolm Campbell bateu recordes de velocidade com um Rolex. Sir Edmund Hillary fez do seu Oyster Perpetual o primeiro relógio a chegar no topo do Everest. Esses são apenas alguns exemplos antigos. De lá pra cá a Rolex se estabeleceu como marca presente no Automobilismo, Tênis, Hipismo, Golfe, Iatismo, Esqui…
Eu confesso que nunca fui um entusiasta de relógios e sabia apenas o superficial da Rolex até ouvir o excelente podcast de Patrick OShaughnessy com Ben Clymer (CEO e fundador da Hodinkee) para o Business Breakdowns
O podcast é muito bom e praticamente tudo o que eu aprendi e coloquei nesse texto veio de lá, então acho que fica óbvio que recomendo o episódio pra todo mundo.
Depois de conhecer um pouco - ainda que bem pouco mesmo - dessa história é impossível não criar uma admiração pela Rolex. Nada por ali é comum. A inovação tecnológica, a obsessão por qualidade, a beleza e o pioneirismo do marketing, a resiliência da marca, a verticalização da sua produção, a discrição dos seus controladores, o caráter filantrópico da Rolex. Nada ali é ordinário, tudo é diferente.
E só é assim por que a Rolex não faz de qualquer jeito. Nunca fez. A Rolex faz do jeito Rolex.
Curiosidades:
. O nome Rolex só foi registrado em 1908. Especula-se que foi um nome escolhido por ser curto o suficiente pra gravar no relógio e fácil o suficiente para ser pronunciado em diferentes idiomas. Os relógios da Wilsdorf & Davis passaram então a ser vendidos sob o nome Rolex. A empresa como conhecemos hoje, sob o nome Rolex, só veio após a mudança pra Suiça.
. Rolex teve mais de 500 patentes ao longo da sua história
Gostei muito do artigo, parabéns! É sempre bom conhecer a história por trás de marcas, como Rolex e ver que realmente fazem jus aos valores que pregam.
Excelente conteúdo, Andrei! Parabéns!