Bom dia, família!
Hoje, vamos dissecar o Arsenal, um clube que tenta reencontrar seus dias de glória. O projeto de reconstrução começou com Mikel Arteta e Edu Gaspar. Arteta chegou em 2019, cercado por dúvidas e olhares desconfiados. “Será que dá conta?”, perguntavam. Afinal, seu currículo como técnico principal era uma folha em branco.
Já Edu desembarcou meses antes, vindo da CBF. Começou como coordenador técnico e, em 2022, ganhou mais protagonismo ao ser promovido a diretor esportivo. Hoje, Edu já não está mais por lá. Mas nossa análise vai até a temporada 2023/24, quando ele ainda tentava, ao lado de Arteta, dar ao Arsenal uma nova identidade.
Sendo assim, vamos ao que interessa!
DESEMPENHO ESPORTIVO
O Arsenal de Mikel Arteta é um time em ascensão. Quando foi anunciado, o clube estava na 10ª posição da Premier League. Aos poucos, ele foi elevando o nível da equipe. Três temporadas completas depois, levou o Arsenal ao vice-campeonato - feito que se repetiu em 2023/24. O título ainda não veio, é verdade. Mas o crescimento garantiu algo importante: o retorno consistente à Liga dos Campeões. Um salto vital, tanto no campo quanto no bolso.
Na Europa, a caminhada do Arsenal foi mais turbulenta. Em 2020/21 e 2022/23, jogou a Liga Europa, com melhor campanha na primeira. No meio desse caminho, veio o grande tombo: em 2021/22, pela primeira vez em 23 anos, o clube ficou fora das competições continentais. A resposta veio na temporada seguinte, com a volta à Liga dos Campeões, onde chegou às quartas de final. Agora, em 2024/25, o Arsenal está novamente no mata-mata da principal competição europeia.
Financeiramente, o Arsenal tem mostrado avanços no EBITDA, sinal de uma operação mais eficiente. No entanto, os prejuízos líquidos persistem. Esse ponto será analisado mais adiante, à medida que exploramos as finanças do clube.
RECEITAS
MATCHDAY representou 21% da receita do Arsenal em 23/24, mantendo a média histórica. A temporada atípica fica por conta de 20/21, impactada pela pandemia.
O Arsenal mantém uma excelente média de público, com o Emirates Stadium - que comporta cerca de 61 mil torcedores - frequentemente lotado. O crescimento da receita com matchday se deve, principalmente, ao aumento no preço dos ingressos e ao maior número de jogos em casa. Na temporada 2023/24, o clube disputou 25 partidas no seu estádio.
BROADCASTING representa 43% da receita total do Arsenal, sendo sua principal fonte de receita operacional. A temporada 23/24 trouxe um salto significativo de £70 milhões em comparação com 22/23, reflexo direto da participação na Liga dos Campeões, que paga muito mais que a Liga Europa. Além disso, o bom desempenho tanto na Premier League quanto na Liga dos Campeões também impulsionou os ganhos. Em 23/24, o Arsenal foi o clube mais televisionado da Premier League.
O contraste com 21/22 é evidente. Naquela temporada, sem disputar torneios europeus, o Arsenal faturou £146 milhões em direitos de transmissão. Já em 23/24, esse valor saltou para £262 milhões, um aumento de 80% em apenas duas temporadas. Como o próprio Arsenal reconhece:
“a classificação para competições da UEFA é um pré-requisito para restabelecer uma base financeira autossuficiente.”
COMMERCIAL também vem em boa crescente. No fim da temporada 22/23, o clube reforçou seu departamento comercial como parte de uma nova estratégia para capitalizar o retorno à Liga dos Campeões.
Ainda em 2023, o Arsenal renovou sua parceria com a Emirates até 2028. Esse é o patrocínio master mais longevo da Premier League, vigente desde 2006. O novo contrato, segundo especulações, rende ao Arsenal cerca de £50 milhões por temporada, um aumento em relação aos £40 milhões do acordo anterior. Além do patrocínio na camisa, o contrato inclui os naming rights do estádio.
Outro grande parceiro comercial do Arsenal é a Adidas, fornecedora de material esportivo desde 2019. Em 2022, o acordo foi renovado até 2030, com um valor estimado de £75 milhões por temporada, superando os £60 milhões do contrato anterior.
No total, a receita do Arsenal cresceu 55% entre as temporadas 18/19 e 23/24, um avanço significativo mesmo em comparação com os principais clubes ingleses. O mais impressionante é que esse crescimento se acelerou nos últimos anos, colocando o Arsenal com um nível de receitas muito mais competitivo em relação aos maiores rivais - especialmente se comparado à situação na temporada 18/19.
DESPESAS
A despesa com remuneração no Arsenal cresceu 40% entre as temporadas 2018/19 e 2023/24, com todo esse aumento concentrado na última temporada. Esse salto expressivo reflete um investimento maior tanto no elenco quanto na estrutura operacional do clube. O acréscimo superior a £90 milhões nesse período é comparável apenas ao Manchester City entre os clubes ingleses. No entanto, é importante notar que, embora o valor absoluto tenha sido similar, o crescimento percentual do City foi menor já que eles tinham um maior nível de remuneração em 18/19 do que o Arsenal.
Apesar do aumento expressivo na despesa com remuneração entre as temporadas 2018/19 e 2023/24, a relação entre remuneração e receita está em um nível saudável de 53%. Esse resultado reflete uma evolução positiva na gestão financeira do clube, especialmente se comparado aos 75% alcançados no auge da pandemia.
Comparativamente, o Arsenal apresenta uma das menores relações remuneração/receita da Premier League. Além disso, seu nível absoluto de remuneração ainda fica abaixo de clubes como Manchester City, Manchester United, Liverpool e Chelsea. Considerando que o Arsenal tem disputado o título de forma consistente nas últimas temporadas, esse cenário demonstra boa eficiência financeira na remuneração do elenco.
AMORTIZAÇÃO
E se o Arsenal tem investido no elenco, o que mais podemos esperar? Sim, um aumento no custo de amortização! Esse valor reflete o impacto financeiro do investimento em contratações ao longo dos anos.
Além disso, também incluímos o impairment, que ocorre quando um jogador deixa o clube por um valor inferior ao seu valor contábil - uma perda que, embora indesejada, por vezes se faz necessária.
Sem surpresas, o custo de amortização vem subindo gradativamente ao longo do tempo.
GANHO COM VENDA DE JOGADORES
O lucro com a venda de jogadores é uma fonte importante para muitos clubes compensarem prejuízos operacionais, algo bastante comum no futebol. Alguns clubes formadores, por seguirem um modelo de negócio baseado na revelação e venda de atletas, podem até considerar esse tipo de receita como parte de suas operações regulares. Esse, no entanto, não é o caso do Arsenal. O Arsenal hoje é um projeto de ambição esportiva.
Nos últimos seis anos, o Arsenal acumulou ganhos de £168 milhões com a venda de jogadores. Se focarmos apenas no período sob comando de Mikel Arteta e Edu, esse valor chega a £155 milhões em cinco temporadas - uma média de aproximadamente £31 milhões por ano. Para efeito de comparação, o Manchester City registrou um astronômico ganho de £140 milhões apenas na temporada 2023/24.
De qualquer forma, essa média de £31 milhões por ano não é particularmente alta, tendo sido impactada pela fraca atividade de vendas entre as temporadas 2020/21 e 2022/23. Para 2024/25, a expectativa é de ganhos maiores graças a venda de jogadores formados na base - como Smith Rowe e Nketiah - cujas transferências são contabilizadas como lucro puro, já que não há custo de aquisição associado.
E já que estamos falando em lucros com vendas, vamos logo observar o que todos amam: as transferências.
TRANSFERÊNCIAS
A tabela acima revela o forte investimento do Arsenal na construção do seu elenco. Durante o período de Mikel Arteta e Edu Gaspar, o clube desembolsou quase £1 bilhão em reforços - ficando atrás apenas do Chelsea nesse intervalo. Se considerarmos as receitas com vendas de jogadores, o gasto líquido foi de £776 milhões, com impressionantes £420 milhões investidos apenas nas duas últimas temporadas. Esse número reflete a agressiva estratégia do clube para retomar o protagonismo no futebol inglês e europeu.
Nicolas Pépé, William Saliba, Thomas Partey, Gabriel Magalhães, Ben White, Martin Ødegaard, Gabriel Jesus, Fábio Vieira, Zinchenko, Declan Rice, Kai Havertz... A lista é longa!
Pode-se debater se o valor gasto para montar esse elenco foi, de fato, um investimento eficiente. O que não se pode questionar é que não faltou esforço financeiro por parte do Arsenal para dar forma ao projeto de Edu Gaspar e Mikel Arteta.
O Arsenal abriu os cofres!
DÍVIDA FINANCEIRA & KSE
A dívida do Arsenal tem crescido ao longo dos anos - um reflexo claro do esforço financeiro para sustentar o projeto atual. O primeiro grande salto ocorreu na temporada 2019/20, quando a pandemia já começava a impactar as finanças dos clubes. Foi nesse momento que Stan Kroenke realizou seu primeiro empréstimo ao Arsenal, no valor de £15 milhões.
A família Kroenke, liderada pelo bilionário americano Stan Kroenke, tem participação no Arsenal desde 2011. Em 2018, comprou 100% do clube, tornando-o uma empresa totalmente privada.
Além do Arsenal, Stan Kroenke também controla outras franquias esportivas como Los Angeles Rams (NFL), Denver Nuggets (NBA), Colorado Avalanche (NHL) e Colorado Rapids (MLS). Tudo é feito a partir da sua empresa, Kroenke Sports & Entertainment (KSE).
Por muito tempo, os Kroenke foram alvo de duras críticas da torcida do Arsenal. A falta de envolvimento emocional, a desconexão com os fãs, os investimentos modestos e a aparente falta de ambição esportiva alimentaram a insatisfação dos Gunners. No entanto, essa realidade vem mudando nos últimos anos. Após intensa pressão da torcida, os Kroenke ampliaram os investimentos no clube e mostraram maior comprometimento com o projeto esportivo.
Na temporada 2020/21, Stan Kroenke deu um passo importante nessa direção: ele resgatou boa parte das dívidas antigas do clube e as substituiu por um empréstimo oferecido por sua própria empresa, a KSE. Como as dívidas anteriores tinham taxas de juros entre 6% e 7%, e o empréstimo da KSE é sem juros, a troca reduziu significativamente os encargos financeiros.
Essa nova dívida, porém, tem uma condição importante: é reembolsável com um aviso prévio de dois anos. Ou seja, não chega a ser tão amigável quanto a de Tony Bloom que vimos na nossa análise do Brighton. Além disso, essa reestruturação teve um custo. Para antecipar o pagamento das dívidas antigas, o Arsenal precisou arcar com uma taxa de rescisão única de £32 milhões em 20/21. Apesar disso, valeu a pena.
Hoje, a dívida do Arsenal com os Kroenke é a terceira maior entre um clube da Premier League com seu respectivo proprietário.
PRA FECHAR
O que vimos até aqui confirma que o projeto iniciado por Edu Gaspar e Mikel Arteta mudou o patamar do Arsenal. O clube que antes estava preso no meio da tabela da Premier League agora briga pelo título e começa a se firmar entre os melhores na Liga dos Campeões.
Chegar a esse nível em apenas cinco temporadas exigiu um investimento pesado - algo evidente na sequência de resultados líquidos negativos que o clube carrega até hoje. Esse é o preço pago para competir no campeonato mais disputado do planeta, onde os rivais são ricos e agressivos no mercado.
A boa notícia é que o desempenho em campo tem correspondido aos gastos. E isso é essencial. Quando um clube inicia um projeto esportivo ambicioso, é vital que os investimentos se traduzam em resultados. Maiores investimentos seguidos de melhores resultados formam um ciclo virtuoso importante para que um time consiga atingir o nível de competir no topo de forma sustentável. O maior risco surge quando esse ciclo falha, com investimentos massivos não acompanhados por resultados, como acontece há anos com o Manchester United.
Para sustentar um ciclo tão agressivo, é fundamental ter um financiador forte. No caso do Arsenal, essa figura foi a família Kroenke. Sem o apoio recente deles, o clube dificilmente teria conseguido manter esse processo.
Hoje, Edu Gaspar já não está mais no clube. No fim de 2024, ele se juntou ao projeto de Evangelos Marinakis, como mencionamos na nossa análise sobre o Nottingham Forest. Enquanto Edu deixava o clube, Mikel Arteta renovava seu contrato, confirmando sua permanência até junho de 2027.
Quando questionado sobre o estágio atual do projeto, Arteta foi direto: o Arsenal está na fase 4 para 5. Ou seja, o plano ainda não foi concluído.
O que falta para concluir esse projeto?
Vencer os principais títulos!
O Arsenal está perto de fechar com um novo diretor esportivo para ajudar nessa última etapa. Na semana passada, o respeitado jornalista David Ornstein informou que Andrea Berta será o novo diretor esportivo do Arsenal. Berta chega após uma longa passagem pelo Atlético de Madrid, onde começou como diretor técnico em 2013 e assumiu como diretor esportivo em 2017.
Agora, o projeto ganha uma nova identidade: sai o plano Edu/Arteta, entra o plano Berta/Arteta. A base foi construída, mas falta o principal: entregar a única coisa que importa para os torcedores - grandes títulos.