Bom dia, família!
Nos últimos dias, surgiu a notícia do interesse de Evangelos Marinakis no futebol brasileiro, com rumores de que ele poderia adquirir o Vasco da Gama. Marinakis, empresário grego e dono de um dos maiores grupos de transporte marítimo da Grécia, é também proprietário do Olympiacos, do Nottingham Forest e do Rio Ave. Recentemente, Edu Gaspar, que deixou o cargo de diretor esportivo do Arsenal, juntou-se ao seu projeto.
Movidos pela curiosidade, decidimos fazer uma série em duas partes: na postagem de hoje, analisaremos o impacto de Marinakis no Nottingham Forest desde sua aquisição. Em uma postagem futura, abordaremos o período de Edu Gaspar como diretor esportivo do Arsenal.
DESEMPENHO ESPORTIVO
O Nottingham Forest foi adquirido pelo NF Football Investments em maio de 2017. A NF Football Investments pertence a Marinakis (80%) e Kominakis (20%). Sendo assim, a última temporada do clube sob o antigo dono foi a temporada 16/17. A tabela abaixo ilustra o desempenho esportivo do clube desde então, destacando em cinza o período sob o controle de Marinakis.
Quando Marinakis assumiu o Nottingham Forest, o clube enfrentava uma fase crítica. Na temporada 16/17, escapou do rebaixamento da Championship apenas na última rodada. Nos três anos seguintes, houve uma evolução constante que culminou com um 7º lugar em 19/20, quase se classificando para os play-offs. Contudo, a temporada 20/21 foi decepcionante e o clube voltou a brigar na parte inferior da tabela. A recuperação, porém, foi rápida: na temporada seguinte, o Nottingham Forest encerrou em 4º lugar e conseguiu conquistar o tão aguardado acesso à Premier League. Uma conquista que encerrou uma espera de 23 anos!
Conquistar o acesso é apenas o primeiro passo; o desafio seguinte é permanecer na Premier League. Os clubes já estabelecidos na Premier League têm uma vantagem financeira significativa sobre os recém-promovidos, o que torna a tarefa de se manter na elite do futebol inglês um grande obstáculo para quem acaba de subir.
É um desafio que o Nottingham Forest vem conseguindo enfrentar aos trancos e barrancos. Em sua primeira temporada na Premier League, terminou em 16º lugar. Na temporada seguinte, 23/24, a equipe foi punida com a perda de quatro pontos por ter infringido as regras de fair play financeiro na temporada anterior e terminou a apenas uma posição do rebaixamento.
Na temporada atual, o Nottingham Forest está vivendo um verdadeiro conto de fadas, ocupando o 5º lugar da Premier League. Ainda restam muitas rodadas, e é improvável que o clube mantenha esse ritmo até o final. Mas nem precisa. O mais importante no estágio atual é estabelecer-se de forma tranquila na Premier League.
Esportivamente, Marinakis trouxe dias melhores para o Nottingham Forest. O clube, que estava há 23 anos longe da elite e à beira de cair para a League One, agora ocupa o quinto lugar na Premier League. A evolução, entretanto, não foi meteórica; Marinakis precisou de cinco temporadas até alcançar a promoção.
Justiça seja feita, não é fácil subir para a Premier League depois de anos na Championship. A principal razão está no Parachute Payment, um subsídio financeiro pago pela Premier League aos clubes que foram recentemente rebaixados para a Championship. Esse pagamento tem como objetivo ajudar esses clubes a compensar a perda de receita que ocorre ao deixar a Premier League.
Na prática, o Parachute Payment oferece uma enorme vantagem financeira aos clubes recém-rebaixados em comparação aos que já estavam na Championship. Não surpreende, portanto, que a história mostre uma probabilidade bem maior de acesso de volta à Premier League para os clubes que recebem esse benefício. Por isso, é tão difícil para um clube que passou 23 anos na Championship conseguir voltar para a Premier League. Mas Marinakis conseguiu!
NOTTINGHAM FOREST, O BUSINESS
Agora vamos analisar a evolução do Nottingham Forest enquanto negócio. Temos à disposição apenas os relatórios financeiros até a temporada 22/23, portanto, a temporada 23/24 ficará fora desta análise.
Em geral, as principais fontes de receita de um clube de futebol podem ser classificadas em três categorias: matchday, broadcasting e comercial. Matchday inclui as receitas dos dias de jogo, como ingressos e consumo no estádio. Broadcasting abrange os direitos de transmissão televisiva, enquanto comercial envolve receitas de patrocinadores e fornecedores de material esportivo. O Nottingham Forest, no entanto, usa uma segmentação um pouco diferente, especialmente em relação às receitas comerciais. O clube separa as vendas das lojas na categoria Merchandising e agrupa patrocínios e outras fontes de receita em Outras receitas comerciais.
O que chama atenção de imediato é que a receita de 22/23 é mais de sete vezes maior que a de 16/17. A principal explicação para esse crescimento é simples: o Nottingham Forest agora faz parte da Premier League. A Premier League possui os maiores acordos de transmissão do mundo, e esse impacto é claramente visível na linha de “Atividades relacionadas à mídia”, onde a receita saltou de £12 milhões em 21/22 para £124 milhões em 22/23.
Entre 16/17 e 21/22, a receita cresceu aproximadamente 43%. Um aumento modesto, impulsionado principalmente por novos contratos na Championship, reajustes nos preços dos ingressos e uma maior média de público. Na tabela, nota-se uma queda de receita na temporada 20/21, efeito direto da pandemia do coronavírus, que também impactou parcialmente a temporada 19/20.
A remuneração é o principal custo de um clube de futebol. Quando Marinakis assumiu, o Nottingham Forest tinha um custo de £28,5 milhões em remunerações. Esse valor subiu para cerca de £40 milhões na temporada 18/19 e se manteve próximo desse patamar até 20/21. A partir daí, ocorreram dois saltos: £58,5 milhões em 21/22 e £145 milhões em 22/23. Esses aumentos refletem bonificações - tanto de acesso quanto de permanência na Premier League - e um maior investimento no elenco. Foram aumentos coerentes com o desempenho em campo: em 21/22, o Nottingham Forest conquistou o acesso, e em 22/23 teve sua primeira temporada na elite do futebol inglês.
O mais impressionante, porém, é o peso das remunerações em relação à receita total do clube. Em todo o período do Nottingham Forest na Championship, essa proporção ficou acima de 100%, e chegou a incríveis 200% em 20/21 e 21/22 – ou seja, o clube gastava o dobro da sua receita apenas com remunerações. A temporada 20/21 sofreu o impacto da Covid (menos receita), enquanto 21/22 reflete o maior investimento para garantir o acesso à Premier League. Em 22/23, o Nottingham Forest finalmente conseguiu ficar abaixo de 100%, embora 94% não seja tão mais abaixo assim.
Por incrível que possa parecer, é comum que clubes da Championship tenham custos de remuneração superiores a 100% da sua receita. No entanto, 200% é um nível muito alto mesmo para os padrões da Championship. De forma geral, um nível saudável para um clube de futebol é em torno de 70%. Ou seja, o Nottingham Forest ainda tem um bom caminho pela frente.
O custo de amortização é outro ponto importante na vida de um clube de futebol. O valor pago na aquisição de jogadores é registrado como ativo intangível e amortizado ao longo do contrato. Por exemplo, um jogador comprado por £100 milhões com um contrato de 5 anos terá um custo de amortização de £20 milhões por ano. Em um contrato de 10 anos, esse custo cai para £10 milhões anuais, o que explica a preferência de alguns clubes (ex: Chelsea) por contratos mais longos. Por outro lado, jogadores que chegam como agentes livres ou que vêm das categorias de base não são registrados como ativos no balanço e, portanto, não geram custo de amortização.
Isso implica que clubes que são grandes compradores apresentam um alto custo de amortização, enquanto clubes formadores tendem a ter níveis mais baixos de amortização e reportam um valor reduzido de ativo intangível.
Quando Marinakis adquiriu o Nottingham Forest, o custo de amortização era modesto, em torno de £2 milhões. Esse valor aumentou para uma média de £6 milhões entre 17/18 e 21/22. Em 22/23, o custo de amortização disparou para £41 milhões. Esse é o outro lado da moeda ao ser promovido para a Premier League: enquanto a receita explode, os custos também se multiplicam para ter uma chance de competitividade na elite.
CONTRATAÇÕES
Essa é a parte que mais desperta o interesse dos torcedores: as contratações! E também traz algumas dúvidas. Como mencionei antes, as principais receitas de um clube de futebol são matchday, comercial e broadcasting. Mas a pergunta que sempre aparece é: onde entra a venda de jogadores?
A receita de transferências é uma receita não-operacional, portanto, é registrada separadamente das receitas de matchday, comercial e broadcasting. Além disso, não é o valor total da venda que aparece no demonstrativo financeiro do clube, mas sim o lucro ou perda com a venda. Esse valor reflete a diferença entre o valor contábil do jogador (o valor amortizado até a venda) e o valor pelo qual ele foi vendido.
Isso não torna a venda de jogadores menos importante; pelo contrário, muitos clubes dependem dela, especialmente os clubes formadores. O próprio Vasco é um caso desses. Gabriel Pec, por exemplo, foi formado no clube e, sendo assim, todos os $10 milhões da sua transferência para o Los Angeles Galaxy ficaram registrados como lucro direto para o clube.
Como podemos ver, a venda de jogadores sempre foi importante para o Nottingham Forest durante seu período na Championship. Essa atividade gerava mais de £10 milhões de ganhos anuais, ajudando a reduzir o prejuízo do clube.
O que se nota também é que o Nottingham Forest não fez investimentos pesados no elenco, com exceções em 18/19 e 22/23. Acontece que no futebol, como em qualquer outro negócio, dois fatores são essenciais para o sucesso:
1) o volume de investimento;
2) a eficiência com que ele é aplicado.
Na posição em que o Nottingham Forest estava, seria difícil evoluir sem reforços. E o campo deixou isso claro. Com o investimento de 18/19, o clube passou de 17º na temporada anterior para 9º. Infelizmente o Nottingham Forest não manteve esse ritmo de contratações. A consequência veio em 20/21 quando, após vender muito mais do que comprar - principalmente seu principal jogador, Matty Cash, para o Aston Villa - o clube voltou para a 17ª posição da Championship.
Em 21/22, apesar de manter um alto volume de vendas, o Nottingham Forest voltou a investir mais no mercado, gastando mais do que nas duas temporadas anteriores somadas e alcançando a 4ª posição na classificação final. Então, veio 22/23 e Marinakis resolveu mostrar sua força. Com o retorno à Premier League, o Nottingham Forest trocou mais da metade do seu elenco e investiu quase £170 milhões em contratações. Foi o maior volume de contratações da história do futebol inglês para um clube que acabou de conseguir o acesso. Chegaram jogares como Gibbs-White (Wolves), Awoniyi (Union Berlin), Danilo (Palmeiras) e Neco Williams (Liverpool).
Apesar de não termos os relatórios de 23/24, sabemos que os reforços continuaram. A saída de Brennan Johnson para o Tottenham foi compensada pelas chegadas de gente como Sangaré (PSV), Elanga (Man United), Chris Wood (Newcastle), Omobamidele (Norwich) e Murillo (Corinthians).
O SUPORTE FINANCEIRO DE MARINAKIS
O Nottingham Forest teve prejuízo em todos os anos sob Marinakis, mas isso merece contexto. Muitos clubes de futebol reportam déficit operacional, já que ganhos importantes - principalmente a venda de jogadores - não entram na conta operacional. Na Championship inglesa, quase todos os clubes também registram prejuízo líquido pois investem pesado em busca do acesso. Esse era o caso do próprio Forest sob o antigo dono, o kuwaitiano Fawaz Al-Hasawi, que gastou muito sem melhorar o desempenho do time. Como mencionei antes, gastar não basta — é essencial investir com eficiência.
Até mesmo a temporada 16/17 - ainda sob o comando de Al-Hasawi - merece contexto. O lucro líquido apresentado veio por um perdão de dívida de £40 milhões, que é contabilizado como lucro no demonstrativo. Quem perdoa dívida? O dono, claro. Em quase duas décadas, essa foi a única vez em que o Nottingham Forest apresentou um resultado líquido positivo.
Como podemos ver, os resultados ficaram ainda piores em 21/22 e 22/23. A razão, a essa altura, vocês já sabem. Veio pelas altas bonificações, além da maior remuneração que acompanha um elenco mais caro que briga para se estabelecer na elite do futebol inglês.
Para que um clube tão deficitário continue funcionando sem estagnar, é essencial o apoio de um proprietário generoso — e Marinakis tem sido esse suporte para o Nottingham Forest. Atualmente, o clube possui uma dívida de £23 milhões com a NF Football Investments. No entanto, isso é apenas parte da história. Desde que assumiu o controle, Marinakis já injetou cerca de £130 milhões em forma de empréstimos no Nottingham Forest.
A maior parte desse valor já foi convertida em capital próprio, uma estratégia de apoio do proprietário que remove a dívida do balanço e ajuda o clube a se enquadrar nas regras de fair play financeiro. Em 2021/22, por exemplo, Marinakis converteu mais £40 milhões em capital próprio! Por isso, apesar do grande montante já investido no Nottingham Forest, hoje vemos apenas £23 milhões em dívida com a NF Football Investments. Além disso, todas essas dívidas são sem prazo de pagamento e a custo zero.
O restante da dívida também foi obtido a baixo custo, frequentemente por meio de partes relacionadas e, em alguns casos, até perdoado e registrado como ganho. No entanto, em 2022/23, o Nottingham Forest firmou um acordo com um credor inglês para um empréstimo de £45 milhões a serem pagos em três anos, com juros de base rate + 7,5% — atualmente em torno de 12,5%. Com essa nova captação, o custo da dívida do clube aumentou.
Marinakis assumiu o Nottingham Forest após um período turbulento sob a gestão de Al-Hasawi, em que o clube enfrentou altos gastos, penalidades por violações do fair play financeiro e pouca efetividade em campo. Como resultado, os torcedores haviam se distanciado do time.
Desde a chegada de Marinakis, o cenário começou a mudar. Após cinco temporadas e um susto em 2020/21, o clube conseguiu encerrar uma espera de 23 anos. Competindo na acirrada Championship contra times com maior capacidade financeira, o Nottingham Forest finalmente conquistou a volta à Premier League ao superar Sheffield United e Huddersfield Town nos play-offs.
Na Premier League, o Nottingham Forest conseguiu garantir sua permanência, mesmo com a perda de 4 pontos devido a uma infração de fair play financeiro por investir além dos limites para se manter na competição.
Além do crescimento esportivo, Marinakis tem planos de aprimorar a infraestrutura do clube, especialmente o estádio City Ground. Atualmente com capacidade para cerca de 30 mil torcedores, ele pretende expandi-lo para 50 mil, criando um espaço mais moderno e capaz de atender à crescente demanda dos fãs que voltaram a se aproximar do Nottingham Forest.
“O que precisamos fazer é ter um estádio maior. Temos muitos torcedores e uma enorme lista de espera por ingressos de temporada, e tenho certeza de que um estádio com 50.000 lugares estará lotado para ver nosso time e nossa paixão.”, Marinakis
Para viabilizar essa expansão, Marinakis está em negociações com o Conselho da Cidade de Nottingham, proprietário do terreno onde o estádio está localizado. Divergências nas discussões chegaram a levar Marinakis a considerar a construção de um novo estádio em outro local, uma possibilidade que não agradou aos torcedores, que veem o City Ground como a casa do Nottingham Forest há 125 anos.
No entanto, as divergências parecem ter sido resolvidas, com o Conselho oferecendo ao clube a possibilidade da compra do terreno. Com isso, Marinakis parece agora disposto a concentrar seus esforços na modernização do City Ground.
“É ali que o time pertence e onde está a tradição. Isso é muito importante para a cidade de Nottingham, e eu quero poder finalizar esse projeto para que, nos próximos anos, tenhamos um dos melhores estádios da Inglaterra. Esse é meu principal objetivo no momento.”, Marinakis
Sob a liderança de Marinakis, o Nottingham Forest optou por um caminho de crescimento gradual, diferente da abordagem agressiva do Manchester City com o Sheikh Mansour. Desde 2017/18, o clube superou a longa espera de 23 anos para subir da Championship, conseguiu se manter na Premier League mesmo enfrentando penalizações, ocupa atualmente a 5ª posição nesta temporada e possui planos concretos para modernizar e ampliar seu histórico estádio, o City Ground.
Bom o suficiente para os torcedores do Vasco?
Grande abraço,
Leo Caroli
É buy no Vascão?